Qual é o impacto da inclusão da AME no PNTN?

Atualizado em 11 de outubro de 2021 |
Publicado originalmente em 11 de outubro de 2021

Inclusão da AME ao Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN) é avanço importante, mas ainda existem desafios até sua concretização. Saiba mais!

Há anos a comunidade de atrofia muscular espinhal (AME) busca por iniciativas que acelerem a jornada diagnóstica dos pacientes , de tal forma que o plano de cuidado individualizado possa ser feito o mais rápido possível. O cenário para o diagnóstico da AME é complexo pois, entre tantos fatores, é necessário considerar que a doença não possui uma manifestação clínica única; os sintomas são variados e podem surgir em diversas idades. Há ainda dificuldade no acesso aos exames para diagnóstico e, por se tratar de uma doença rara, a sociedade e em particular, médicos não especialistas, carecem de informação a respeito, o que pode levar à confusão com o diagnóstico de outras doenças, ou mesmo nãos suscitar qualquer hipótese diagnóstica. Considerando a relevância do tratar cedo e o atraso no diagnóstico nos casos em que bebês e crianças já manifestam os sintomas (como mencionado acima), enxerga-se na inclusão da AME à triagem neonatal, como uma das principais políticas para mudar de maneira significativa o futuro dos pacientes. Lembramos: por ser uma doença degenerativa e progressiva, quanto mais cedo é descoberta, mais promissor tende a ser o tratamento para o indivíduo1.

A Lei 14.154, que prevê o teste de rastreio da AME no Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), foi sancionada em maio de 2021. Este foi o primeiro passo após anos de engajamento e dedicação por parte da sociedade civil, mas ainda existem alguns desafios a se atentar para garantir que a política beneficie a esses pacientes.

Além da AME, outras doenças também foram incluídas e, apesar de não haver um prazo definido para a implementação, a aprovação da lei é uma grande conquista para a sociedade. O processo definido pela regulamentação da Lei, implica na implementação de forma escalonada e progressiva. E há justificativa clara, já que dentro das prerrogativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a inclusão de doenças em programas de triagem neonatal, está o ponto de que as crianças que recebam diagnósticos positivos na triagem possam ter acesso ao tratamento adequado2, o que gera impactos financeiros ao sistema público, fator que também precisa ser previamente analisado.

No entanto, ainda considerando os custos associados à implementação de um novo programa, é importante reforçar que diversas externalidades podem modificar o cenário de prioridades na saúde pública, o que dificulta uma definição categórica e inflexível de etapas subsequentes. A existência de inovações tecnológicas que mudem de forma significativa o curso de uma doença diagnosticada e tratada precocemente3, por exemplo, poderia motivar a avaliação da triagem neonatal para tal doença; no entanto, se tal doença se enquadrar nas últimas fases e só puder ser avaliada posteriormente às outras das etapas anteriores, como é o caso da AME que se encontra na quinta e última etapa de implementação da Lei, pacientes que já poderiam se beneficiar do diagnóstico e tratamento precoce, continuarão sem usufruir de tal benefício – e por um tempo indefinido, caso não haja prazos estabelecidos para implementar cada etapa.

Experiências internacionais com projetos piloto mostram que quando o tratamento da AME ocorre nos três primeiros meses de vida do paciente, as chances de reduzir a progressão da doença são maiores4-5. Por isso, a aceleração do processo de implementação da doença no PNTN precisa ser considerada.

 

Os desafios do PNTN no Brasil e as dificuldades na implementação da AME na triagem neonatal

Embora atualmente o Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN) promova ações que vão além do diagnóstico, como o cuidado integrado e acompanhamento do paciente e da família, ainda existem algumas barreiras que ameaçam novos avanços.

A baixa participação de profissionais especializados na Rede Nacional de Serviços de Hematologia e Hemoterapia (Hemorrede), responsável pela gestão administrativa da triagem neonatal, é uma das barreiras atuais. A Hemorrede não conta com um grupo de técnicos envolvidos na gestão, o que reflete na falta de clareza nos critérios de implementação das doenças.

Outro ponto que pode ser melhorado é o pouco compartilhamento de informações entre os gestores estaduais, mesmo com recursos de comunicação como a teleconsulta e o teleapoio. É necessário um investimento maior em tecnologia para auxiliar e acelerar essa troca de informações.

Por fim, dada baixa prevalência da AME, a atualização desses processos tende necessitar de mais investimento, uma vez que são poucos diagnósticos confirmados para uma grande quantidade de testes realizados. Entretanto, ponderar os impactos a longo prazo é necessário, como, por exemplo, o impacto social positivo na vida dos pacientes e de seus familiares, além da economia de recursos para o sistema e para as famílias.

Graças ao desenvolvimento tecnológico de testes laboratoriais e aos resultados de experiências internacionais, é possível confirmar, com base em evidências, que existe um caminho equilibrado e prever uma implementação com custos acessíveis, resultando em efeitos terapêuticos melhores em pacientes que iniciaram o tratamento precocemente3.

 

Disseminar informações sobre a AME é o melhor caminho

Incorporar uma doença à triagem neonatal aumenta não só as chances de um diagnóstico precoce, como também ajuda a conscientizar a população geral e os profissionais de saúde6. A falta de conhecimento sobre a AME ser uma doença grave quando não tratada é um dos principais fatores que dificultam a jornada das famílias até o diagnóstico, mesmo entre aquelas que possuem maior grau de escolaridade.6-7

Os benefícios dessa inclusão envolvem também, além do início dos cuidados para bebês que testarem positivo e esperança para os familiares, melhor custo-benefício e mais suporte para a comunidade e para os profissionais de saúde.

Diversos setores podem contribuir para ampliar as informações sobre a doença e, consequentemente, influenciar de forma positiva no processo de implementação, seja com campanhas, com o desenvolvimento de treinamentos e materiais de apoio para promover debates ou até mesmo com a criação de novas regulamentações por legisladores e lideranças políticas.

Este material é parte do policy paper sobre triagem neonatal para a AME, criado em parceria com o IQVIA e associações de pacientes. Confira: clique aqui.

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Referências Bibliográficas

1. Phan HC, Taylor JL, Hannon H, Howell R. Newborn screening for spinal muscular atrophy: Anticipating an imminent need. Semin Perinatol. 2015;39(3):217–29.

2. Wilson JM., Jungner G. Principles and practice of screening for disease. Geneva: WHO; 1968. Public Health Papers. 1968.

3. Andermann A, Blancquaert I, Beauchamp S, Déry V. Rivisiting Wilson and Jungner in the genomic age: A reviewof screening criteria over the past 40 years. Bulletin of the World Health Organization. 2008.

4. Govoni A, Gagliardi D, Comi GP, Corti S. Time Is Motor Neuron: Therapeutic Window and Its Correlation with Pathogenetic Mechanisms in Spinal Muscular Atrophy. Mol Neurobiol. 2018 Aug;55(8):6307-18.

5. Serra-Juhe C, Tizzano EF. Perspectives in genetic counseling for spinal muscular atrophy in the new therapeutic era: early pre-symptomatic intervention and test in minors. Eur J Hum Genet. 2019 Dec;27(12):1774-82.

6. Wajner M, Sitta A, Kayser A, Deon M, Groehs AC, Coelho DM, et al. Screening for organic acidurias and aminoacidopathies in high-risk Brazilian patients: Eleven-year experience of a reference center. Genet Mol Biol.2019;42(1 suppl 1):178–85.

7. Araujo A, Campos P de Q, Giuliani A, Bomfim D, Loriato D, Zanotelli E, et al. Guia de Discussão sobre Atrofia Muscular Espinhal (AME) no Brasil: Trabalhando hoje para mudar o amanhã. Biogen. 2019. p. 84.

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